Zuleica
Crítica
Memórias Ancestrais

As incisões encáusticas e as inscrições totêmicas que Zuleika Bisacchi tem apresentado ao público em suas últimas exposições, caracterizam-se por imantar o olhar do observador, transportando-o para paragens remotas do tempo.

Esse deslocamento implica necessariamente uma atitude interna: a atitude de decifrar. Decifrar os sinais, ler os símbolos, interpretar as suas significações. Um trabalho, é claro, realizado por cada observador, por recurso ao seu próprio estoque de significados.

A presente instalação da artista na Capela do Morumbiem São Paulo, aprofunda e intensifica as perspectivas de deslocamento (temporal) e de evocação (significacional) de sua obra.

Ao introduzir o observador num recinto ritualístico, fazendo-o ocupar posição central no círculo cerimonial, pisando solo sacralizado e ouvindo música ritualística, o que Zuleika faz já não é mais deslocar a sua perspectiva temporal por meio de um olhar cuja plena realização implique decifrar.

Se antes a artista fazia com que a obra penetrasse no sujeito observador, imantando o seu olhar, agora é o próprio sujeito que penetra na obra. Se antes era a obra que penetrava no seu mundo, selecionando significações do seu estoque de signos, agora é ele próprio que penetra no mundo da obra e completa o significado desta. Pois que nesse espaço de sacralidade, nesse cenário mítico, ele é o ator privilegiado, o agente sem cuja presença o rito não se realiza.

Mas, ao dirigir o seu discurso plástico para instâncias diversas do observador -   a interna e a externa - primeiramente realizando uma espécie de arqueologia das significações inconscientes deste e depois propondo a sua imersão na própria cosmogonia - o universo arquetípico mesmo - o que Zuleika Bisacchi estará fazendo com sua própria obra?

Uma primeira leitura obviamente revelaria que ela estaria mudando a sua retórica, ao migrar da linguagem do objeto para a linguagem da instalação. E, quanto ao conteúdo, estaria enunciando a sua poética não mais para psique do receptor, mas para o seu corpo.

No entanto, do ponto de vista formal, a linguagem do objeto mantém-se ainda intacta, apenas intensificando-se ao ampliar o seu escopo. E, quanto ao tema, o avanço não é menos considerável, já que em vez de dirigir-se exclusivamente à psique do receptor, Zuleika agora o introduz de corpo inteiro nessa espécie de psique universal que a cosmogonia atualiza.

Antonio Carlos Fortis
Antropólogo