Zuleica
Crítica
Fotografando a fugacidade: revelando a eternidade.

Depois de uma longa trajetória experimental com suportes e linguagens das artes visuais, desde a pintura até a escultura, da encáustica ao objeto e da assamblagem à instalação, a artista plástica e professora de artes Zuleika Bisacchi, chegou à fotografia. E não por acaso.

Na mostra coletiva que antecedeu à presente exposição, a artista expôs a obra com a qual iniciou as suas pesquisas no campo simbólico da fotografia, obra ao mesmo tempo inaugural e paradigmática no conjunto do seu trabalho.

Constituída por trinta e duas imagens fotográficas de barro amassado sobre tela, a obra retrata, na verdade, um processo. O processo de transformação do barro homogêneo, passando pelos momentos de secagem, rachadura e o gradual destacamento da tela até se desprender o último granulo, restando apenas o próprio fundo da tela com uns poucos sinais do barro que antes esteve sobre ela.

Esse trabalho de Zuleika é de um impacto hermenêutico muito intenso. Não é apenas da passagem do tempo que ele dá conta. Trata-se de um registro da desaparição, da passagem do que é visível para o que resulta em meros rastros quase invisíveis, da passagem da existência para o inexistente, da consistência para a diluição. Ele revela o nada como substrato último de tudo o que tem visibilidade. Esse trabalho pereniza, por meio da imagem fotográfica, aquilo que todos nós queremos esquecer: a nossa própria provisoriedade, a nossa transitoriedade irremediável, a nossa mortalidade, enfim.

A obra cuja presença estamos evocando só poderia se tornar a fonte das pesquisas que se lhe seguiram. São essas pesquisas que Zuleika apresenta nessa exposição individual. Tudo se passa como se ela tivesse iniciado pelo fim, já que as obras que se seguem àquela primeira são, por assim dizer, a análise de que ela é a síntese estrutural.

O que é extraordinário nessa obra fecunda e poderosa é que ao ‘revelar’ o processo da vida (e da morte), ela revela ao mesmo tempo a própria natureza do ícone fotográfico. De fato, como disse Roland Barthes, a fotografia torna-se o signo de que somos mortais, já que se o real que ela mostra existiu, é porque não existe mais.

No início desse texto declarei que Zuleika Bisacchi chegou à fotografia não por acaso. E, efetivamente, que melhor linguagem haveria para expressar a radicalidade da passagem da transitoriedade para a desaparição absoluta do que a da imagem fotográfica?

Não obstante tudo isso, nas pesquisas subseqüentes da artista, já se enuncia a aparição subliminar de um outro conceito. O conceito de ressurreição, segundo o qual a vida só se extingue para reaparecer em outros termos e com nova pujança. Esse conceito é apresentado magnificamente na foto dos peixinhos nadando na água azul, que se vê na fissura aberta de um solo em processo de desertificação. É a vida reaparecendo esplendorosa e cintilante, exatamente por baixo e por dentro daquela imensa aridez em que a anterior acabou de se extinguir.

Antonio Carlos Fortis
antropólogo